Um crime invisível em Sobradinho DF

"Estou a ler algumas cartas da minha bisavó, e anotações de sonhos dela. Fico pensando se em algum momento em que ela escreveu tudo aquilo, ela pudesse imaginar que essas cartas chegariam em minhas mãos. Acho que ela não imaginou isso. 


Eu acho legal imaginar que o que eu escrevo estará seguro para que algum dia chegue nas mãos de minhas netas e netos, bisnetas e bisnetos e futuras gerações e quiçá poderão ser úteis para algo de alguma forma, nem que seja apenas para saberem que eu estive aqui pensando em vocês e extremamente preocupada com o que estão fazendo com o nosso lar.

Eu gosto de sonhar que viraremos a chave em tempo de percebermos que é possível vivermos, morarmos e criarmos um estilo de vida em cocriação e harmonia com a natureza.

Gosto de acreditar que sempre é tempo de virar essa chave, mas fica muito difícil sustentar essa crença quando vejo que há poucos dias, uma das maiores (se não a maior) e mais antigas árvores de Sobradinho, entre a quadra 5 e a 7, foi ignorantemente assassinada.

A árvore que devia ter seus 500 anos abrigava milhares de passarinhos de diversas espécies. Era uma festa quando se passava por lá, o cântico que dela ressoava pela cidade no pôr do sol tocava mesmo os ouvidos mais desatentos.

Talvez fosse necessária umas 20 pessoas para abraçá-la, e eu, na minha inocência, achava que as pessoas jamais teriam coragem de matá-la, e é até difícil imaginar como fora a cena do massacre, pois os troncos enormes estavam deitados no chão quando por lá de novo passei. Defuntos. Eu sofri. Ainda quero morrer com ela.

Um crime dessa magnitude acontece e ninguém se opôs? Não saiu nos jornais a barbaridade? Não há ninguém falando sobre? As pessoas estão completamente cegas?

Onde foram morar tantos passarinhos desabrigados?

Quantos ovos e bebês foram perdidos em seus ninhos devastados?

E eu que nunca imaginei que ela teria esse fim repentino me entristeço por não ter tirado nenhuma foto com ela.

Me pergunto como poderemos recuperar isso.
Dor.
Pela minha amiga que se foi e alegrava o meu caminho. Choro por ela e por todas as árvores anciãs que estão sendo cruelmente eliminadas.

Elas que nos servem bondosamente e ofertam suas vidas gratuitamente a cada segundo, purificando o nosso ar, tão essencial para que vivamos.

Talvez alguma construção ocupe o local do crime. Alguma igreja, bar, ou quem sabe uma faculdade pavimente com cimento a dor que estou sentindo, para que eu tenha forças para continuar a plantar, acreditando ser possível restaurar toda essa merda.

Será que existe mais alguém que está chorando por ela?

Texto: Autoria Anônima

Video por Mariangela Andrade

 

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